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Quem é que sobe a ladeira do Curuzu

E a coisa mais linda de se ver

É o Ilê Ayê

O mais belo dos belos…

Quem já viu o Ilê Aiyê desfilando pelas ruas de Salvador com certeza vai concordar: o título de “mais belo dos belos” é mais do que merecido.

Os versos apaixonados que abriram o nosso papo de hoje são parte de um rico repertório marcado por arte, resistência e pioneirismo. Acompanhado pela vibração dos tambores e por vozes poderosas, o cortejo digno da realeza iorubá vem colorindo o Carnaval da Bahia há 50 anos. Não é à toa que o Ilê Aiyê é considerado um dos maiores símbolos da cultura afro-brasileira.

Dono do importante título de primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê tem um ritmo hipnotizante e cheio de significado que foi responsável por puxar um movimento cultural revolucionário. E a gente está prestes a te levar para aprender mais sobre essa história incrível e sobre a importância do grupo que se tornou um verdadeiro patrimônio imaterial do nosso país. Deixa o som do samba afro te levar e vem descobrir a força do Ilê Aiyê!

O que é o Ilê Aiyê: entenda sua história e origem

Que bloco é esse?

Eu quero saber

É o mundo negro

Que viemos cantar para você!

Essa foi a toada que marcou a estreia brilhante do Ilê Aiyê em seu primeiro desfile, realizado no Carnaval de 1975. A poesia da letra representava direitinho o disse-me-disse que havia se espalhado entre os foliões nos meses anteriores: todo mundo queria saber o que era aquele projeto ousado que dizia lutar pela igualdade.

Não entendeu? A gente explica. Tente imaginar como era o Carnaval da Bahia nos anos 1970. Se você pensou no cenário cheio de diversidade que vemos hoje em dia nas celebrações de Salvador… pode esquecer. Infelizmente, nessa época, a folia da capital baiana era limitada a um público específico. Todas as festas importantes eram organizadas e frequentadas por pessoas brancas. Mas isso não poderia ficar assim para sempre, né?

A faísca da mudança surgiu no Curuzu, região que fica em um bairro de Salvador chamado Liberdade. Inspirado por vários movimentos de valorização da cultura negra que estavam acontecendo ao redor do mundo, Antônio Carlos dos Santos resolveu fazer um Carnaval voltado especialmente para quem não conseguia foliar junto com a maioria. Foi assim que, no final de 1974, o Ilê Aiyê foi fundado – com a proposta de ser um bloco inteiramente negro –.

Muito além de uma chance de brincar a Festa de Momo livremente, o Ilê Aiyê oferecia aos participantes algo bem maior: o fortalecimento da identidade afro-brasileira. Desde o início, o bloco carrega em suas letras e espetáculos visuais o orgulho e a cultura das populações negras, que se refletem em cada detalhe das apresentações.

Com muitas referências à ancestralidade iorubá e às religiões afro-brasileiras, o Ilê Aiyê teve um terreiro de candomblé como berço. Comandado por Mãe Hilda, o Ilê Axé Jitolu também foi sede do bloco por mais de 20 anos.

Ilê Aiyê: significado desta expressão

Baiana usando roupas tradicionais, de frente para um elemento de fé e oração

Mas, afinal… o que quer dizer esse nome de pronúncia tão marcante?

Ele vem do idioma iorubá, a língua ancestral falada por um povo de mesmo nome na Nigéria. Formado pelas expressões “Ilê” (casa) e “Aiyê” (terra), o significado de Ilê Aiyê pode ser traduzido para o português como “nossa casa” ou “nossa terra”. O nome foi escolhido para simbolizar a ligação do bloco com a ancestralidade africana.

Vovô do Ilê: saiba quem é Antônio Carlos dos Santos, fundador do bloco

Criador do movimento Ilê Aiyê, Antônio Carlos dos Santos recebeu o apelido de Vovô quando ainda era criança.

Isso porque, aos nove anos de idade, ele ganhou um terno que costumava pertencer a um primo e vestiu o presente para ir à escola. Por zombaria, os colegas de classe de Antônio diziam que ele parecia um homem muito mais velho com o paletó, um vovô. O que eles não imaginavam era que, alguns anos mais tarde, Antônio não só abraçaria o apelido, como também se tornaria uma verdadeira lenda da cultura brasileira.

Filho de Mãe Hilda, sacerdotisa do terreiro Ilê Axé Jitolu, Vovô do Ilê se formou em patologia clínica e engenharia eletromecânica. Ele trabalhou em um polo petroquímico por um tempo, mas deixou a posição assim que o Ilê Aiyê começou a crescer. Percussionista habilidoso, o Vovô do Ilê conduziu os batuques do timbal na estreia do bloco. Hoje, seu destaque no ativismo social e o sucesso na missão de divulgar a beleza da negritude são reconhecidos por prêmios como as medalhas da Ordem do Mérito Cultural. Merecido demais, né?

Bloco afro: as mensagens e influências das músicas de Ilê Aiyê

Porto da Barra em Salvador

Minha crioula, vou cantar para você

Estás tão linda no meu bloco Ilê Aiyê

Suas tranças, muita originalidade

Pela avenida cheia de felicidade

Deusa do ébano…

Desde sua fundação, o Ilê Aiyê tem sido uma referência importantíssima na luta contra o racismo, o preconceito religioso e outras desigualdades sofridas pelas populações negras no mundo todo.

Os desfiles do bloco sempre são acompanhados pela trilha sonora emocionante que exalta o poder maravilhoso da cultura afro. Ali em cima, a gente te deu uma palhinha da canção Deusa do Ébano, que motivou a criação de uma das tradições mais adoradas do Ilê Aiyê. Todos os anos, alguns dias antes do Carnaval, o primeiro bloco afro do Brasil organiza um evento especial: o concurso Deusa do Ébano, que escolhe a Rainha do Ilê. Realizado pela primeira vez em 1979, ele é um momento totalmente voltado para a apreciação da beleza negra – e a musa ganhadora do título recebe um local de destaque no desfile do bloco – .

O mais belo dos belos também usa sua arte para resgatar as memórias dolorosas que fizeram parte da história nacional, mostrando as batalhas que as populações negras precisaram enfrentar para conquistar sua liberdade. É o caso da música No Tempo do Pelourinho, que diz assim:

Arrebentada as correntes

Negra Queza nos ato

O Ilê assumiu a raça

E logo se emancipou

Ouve meu canto de dor

O negro se libertou!

Mas além de celebrar a riqueza imensa do repertório afro-brasileiro, o Ilê Aiyê aborda a ancestralidade em suas músicas, destacando as trajetórias de vários países africanos. Só no período entre 1976 e 1988, a discografia do bloco falou sobre Angola, Zimbábue, Senegal e Watusi. É uma forma de manter viva uma parte da história que muitas vezes não aparece na televisão e nem nas aulas da escola.

E essa missão de transformação social não fica só nos dias de folia: inaugurado em 1995, o Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, que produz materiais espetaculares sobre a história e a cultura afro-brasileira. Eles são compilados nos Cadernos de Educação. O projeto também tem outras iniciativas voltadas para a educação, como a Band’Erê, que promove atividades extracurriculares para jovens e crianças.

O perfil azeviche compõe a graça do bloco Ilê Aiyê

É difícil não se encantar pela beleza das cores e texturas que fazem parte da identidade visual do Ilê Aiyê.

Ela é representada principalmente pelo símbolo criado em 1978 por Jota Cunha. Estamos falando da máscara africana adornada por búzios que se tornou marca registrada do bloco. Chamada de perfil azeviche, ela faz referência aos objetos ritualísticos usados por várias culturas africanas. As cores também têm significados importantes: além do preto, que simboliza a pele retinta, o amarelo representa a riqueza cultural e o vermelho lembra os muitos séculos de luta por libertação.

Em suas apresentações, o Ilê Aiyê exibe orgulhosamente o perfil azeviche e suas cores vibrantes, que aparecem em trajes ricos em detalhes, inspirados em elementos tradicionais das culturas afro. Tecidos estampados, turbantes, adereços de contas, búzios e enfeites de palha também fazem parte do incrível legado do bloco.

A representatividade negra do Ilê Aiyê é transformadora e você pode conhecer ela de perto antes ou depois de aproveitar o Costa do Sauípe!

Orla do mar com o complexo de hoteis Costa do Sauípe

Como não se apaixonar pelo mais belo dos belos?

O Ilê Aiyê é história, é resistência, é uma explosão de arte e cultura… é Bahia de verdade! A mensagem de transformação lançada pelo primeiro bloco afro do Brasil foi tão impactante que inspirou a criação de outros grupos grandiosos: dá para dizer que o Ilê Aiyê é o pai do Olodum, por exemplo. Se quiser conhecer de perto a atuação importantíssima do grupo, você pode aproveitar sua viagem para a Bahia para visitar a Senzala do Barro Preto, sede oficial do Ilê Aiyê. Ela fica na ladeira do Curuzu, em Salvador.

Aliás, antes ou depois de fazer esse mergulho cultural fantástico, que tal separar um tempinho para desvendar as outras maravilhas da Terra do Dendê?

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